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Maria Lucrécia Scherer Zavaschi
Psiquiatra e psicanalista com função didática- SPPA. Psicanalista de crianças e adolescentes
Psicanálise da Infância e Adolescência na SPPA
A especificidade da análise de crianças e adolescentes requer qualidades únicas e peculiares
Em 1909, ao orientar o pai de Hans, Freud não vislumbrava a frutificação abundante de sua semeadura. Esta abordagem extrapolou os limites da própria psicanálise. Além de abrir perspectivas para a Psicanálise de crianças e adolescentes, estabeleceu a possibilidade de trabalho integrado com a pedagogia e a pediatria, permitindo que nós, psicanalistas, também pudéssemos nos instrumentalizar para desempenhar um trabalho de prevenção junto a inúmeras entidades extramuros.
Seguindo as pioneiras da psicanálise de crianças, Hug Helmut, Anna Freud, Klein e posteriormente Winnicott, a especialidade expandiu-se, inclusive para a América Latina. Na SPPA, a primeira psicanalista de crianças foi Zaira Martins, cuja formação ocorreu na Argentina, a partir de 1944, tendo como supervisora Arminda Aberastury. Suas três primeiras seguidoras foram Marlene Araújo, Nara Caron e Rute Maltz, que, em 1971, iniciaram sua formação.
Em 1986, a partir de um projeto de Zaira Martins, a disciplina de Psicanálise da Infância e Adolescência passou a fazer parte do currículo oficial da Formação de Psicanalistas de Adultos em nossa Sociedade.
Devemos a Formação específica de Psicanalistas de crianças e adolescentes à inspiração de Zaira Martins, bem como ao intenso e profundo trabalho de nossas outras três professoras, Marlene, Nara e Rute.
Mesmo sendo uma especialidade fascinante, responsável por desvendar o desenvolvimento do psiquismo humano em estatus nascendi, confirmando assim as hipóteses freudianas, e apesar de comprovadamente apresentar resultados terapêuticos e preventivos, agora ratificados pelos achados da neurociência, o recrutamento de profissionais foi — e continua sendo — raro.
A especificidade da análise de crianças e adolescentes requer qualidades únicas e peculiares. Pelo fato de o analista ser “o próprio remédio”, como dizia Balint, seu preparo é mais extenso, levando o profissional da área a trabalhar em um “campo analítico expandido”, além da sala de jogos. Ademais da íntima relação com o mundo interno da criança e seus objetos, o campo se estende para os objetos externos, envolvendo pais, avós e auxiliares da família, assim como a escola, integrando professores e orientadores. Anna Freud chegou a mencionar que o analista de crianças seria um “ambientalista”, pois precisaria estar atento a essa dupla relação.
Não suficiente a complexidade que representa a especificidade da Formação, nossa Sociedade já logrou alcançar um total de 21 Psicanalistas da Infância e Adolescência com titulação pela IPA. Temos a esperança de ampliar tal quadro, pois a especialidade conta com mais 51 colegas trilhando esse longo caminho, mas muito fascinante e promissor. O crescimento desta força-tarefa é um tributo às nossas psicanalistas pioneiras.
REFERÊNCIA:
Aberastury A. Psicanálise da criança: teoria e técnica. Porto Alegre: Artes Médicas, 1982.
Anthony, E. J. (1986). A brief history of child psychoanalysis: Introduction. Journal of the American Academy of Child Psychiatry, 25(1), 8–11.
Balint M. O médico seu paciente e a doença. Rio de Janeiro: Atheneu. 1984.
Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre. Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre: 50 anos. Porto Alegre: Artmed, 2014.
Zavaschi MLS. A psicanálise e a psiquiatria infantil e de adolescentes. Rev. Psiq RS. Set/dez 1996. 18(3):351-360.