Psicanálise e Cultura

O tom da beleza

O tom da beleza

Alda Regina Dorneles de Oliveira1
Juarez Guedes Cruz2
Luisa Maria Rizzo3
Nina Rosa Furtado4
Rosane Poziomczyk5
Tula Bisol Brum6

RESUMO: A partir de um conto de Ray Bradbury intitulado “O sorriso” (1953/2020), seis autores
apresentam suas transformações, partindo do impacto estético que essa leitura lhes proporcionou.
Envolvidos pelo texto, se propõem a especular e fantasiar, abrindo-se para ressonâncias teóricas
psicanalíticas e poéticas. As diferentes percepções constroem novos significados, contando com o
referencial de autores como Bion, Meltzer, Klein e Kristeva, entre outros.

PALAVRAS-CHAVE: psicanálise, arte, transformações, conflito estético, abjeção
O presente texto é resultado do impacto estético provocado, em cada um dos autores, pela
leitura de “O sorriso”, um comovente conto de Ray Bradbury (1953/2020). A exemplo de nossos
trabalhos anteriores – “Jonathan, de Jordan e Ridley Scott” e “Seis autores em busca da
personagem Louise Bourgeois” (Oliveira et al., 2011, 2015) –, cada um de nós fez sua leitura
particular e trabalhou o tema de forma livre e independente. O resultado são as múltiplas
transformações, no sentido conceituado por Bion (1965), que conseguimos alcançar a partir dos
profundos e inacessíveis sentimentos gerados por nosso encontro com o menino Tom, que
surpreendemos em uma fila composta por homens e mulheres maltrapilhos, magros, esfomeados,
com frio.
A seguir, apresentamos um breve resumo do conto que alimentou nossas mentes (também
no sentido bioniano) e deu origem ao texto que agora apresentamos:
O cenário é de destruição. Resquícios de casas, escombros de ruas e prédios. A explosão
nuclear deixou muito pouco do que existira na Terra.
As pessoas sobreviventes se organizaram para um festival, que já se repetia havia alguns
anos, no qual a satisfação provinha de apedrejar obras de arte, queimar livros e destruir qualquer
conquista do progresso e da ciência de uma civilização que lhes deixou, como herança, tal miséria
e sofrimento.
Na fila do festival existe uma criança, Tom, que pergunta e procura entender o que está
acontecendo. É estimulado a apedrejar e cuspir na obra que estão aguardando ser exposta na
praça.
Ao entrar em contato com um quadro, a Mona Lisa, é capturado pela beleza da obra e,
em meio a empurrões, pedradas e cuspidas, arranca um pedaço da tela. Corre angustiado em
direção ao que restou de sua casa.
Deitado, no escuro, arrisca-se a abrir a mão. Naquele retalho de tela, estava o sorriso.
Encantou-se com “o adorável sorriso”. Adormeceu esperando o amanhã.
Sobre recomeçar
Não existe mais saída, aliás, nem caminho.
Olho para o que penso, meu interior, meu mundo, e vejo o caos.
Escombros de amores, túmulos de sonhos.
Amizades perdidas. Mundo sem beleza.
Houve o tempo da esperança, histórias com sentido
Até cores.
Agora, restou o marrom. Nada a procurar nem vontade de cavar.
Meu corpo
Também é farrapo.
Na vida sem prazer, a esperança escoa.
Vou até lá, neste último gesto
Derradeiro encontro.
Ela abre silenciosamente a porta
E sorri
Uma luz se acende com possibilidades adormecidas
Como sabem os poetas, apaixonar-se tem um efeito impressionante em uma pessoa, ou
seja, no modo que ela percebe o mundo.
Do pesadelo ao sonho
O impacto gerado com a leitura do conto “O sorriso” evocou um pesadelo. Uma massa
de emoções circulou por um tempo, buscando caminho para se expressar através da psicanálise.
Nesse percurso, um pequeno conto foi surgindo, como se nenhuma teoria conhecida pudesse me
socorrer, como se a tremenda provocação de Ray Bradbury exigisse um diálogo dessa natureza,
chamando para a transformação de um pesadelo em sonho. Acreditando que nossa sobrevivência
psíquica dependa dessas transformações para continuar existindo, gostaria de compartilhar meu
sonho através de Tom e seu Projeto para Futuras Descobertas.
Um estouro estremece Tom.
Seu corpo fica tenso, a respiração pausa e retorna ofegante. Tum-dum, tum-dum, tumdum, a bomba da vida acelera. Abertos, os olhos se lançam na escuridão, cautelosos à procura do
perigo na paisagem desconhecida. Mais que isso não sente; fica suspenso.
A cachoeira desce feito manto prateado, refletindo a lua alta. Suas bordas são franjas,
cada vez mais finas. Arrematadas em minúsculas gotículas, tocam delicadamente o rosto de Tom,
exalando cheiros da floresta.
O manto agora se encolhe e desaparece, enchendo a noite de silêncio. Retorna em novo
estouro; estremece de novo o corpo de Tom. À medida que se abre, captura a luz da lua e os sons,
inscrevendo em Tom o ritmo de sumir e retornar, coração pulsante daquele lugar estranho.
Tom não sabe ainda se é sonho ou vigília; a consciência de seus sentidos demora em sua
tarefa de discernir, precisa de um tempo para acontecer. Harmonia e paz. “É lindo!”, pensa ele
mil vezes. “Faço parte deste lugar!”, conclui para si mesmo.
O manto se recolhe. Silêncio. Novo estouro, novo tremor agita a natureza, e ele desce,
majestoso.
Evoca uma história.
Milhões de anos atrás, havia um supercontinente do sul, chamado Gondwanaland, e um
do norte, Laurásia. Um dia, essa terra gigante se movimentou, uma parte do sul se deslocou para
o norte e bateu com muita força na Laurásia, formando os continentes como conhecemos hoje.
Desse encontro estrondoso brotaram os Himalaias e toda uma cultura reverenciando o centro da
criação, morada dos deuses, em especial o monte Kailash e o lago Manasarovar com suas águas
azuis, no qual ele se reflete. Essa montanha imensa e muito mais nasceram de rupturas, grandes
estouros. Essas forças, ao destruir, criaram. Tudo isso, com sua violenta e assustadora beleza, se
fez presente em Tom nesse momento, ao testemunhar o espetáculo da cachoeira.
Ansiava conhecer mais sobre a criação, não somente a respeito da sua, mas de tudo aquilo
que se move, que acorda de um jeito e adormece de outro, fazendo um ciclo em ritmo próprio.
Sentiu que seu intitulado Projeto para Futuras Descobertas havia avançado; o que vivera ontem
foi, sem dúvida, o toque decisivo para ter certeza do caminho, para aceitar o convite presente em
cada amanhecer.
Novo estouro, novos tremores. Mergulhado em reflexões, nem percebeu o manto se
recolhendo, deixando atrás de si o silêncio, e agora retornando.
Seria um desafio conseguir esse conhecimento. Seguiria a rota dos sonhos, da imaginação,
de suas lembranças, e faria uma pesquisa séria e bem organizada nos fatos da vida ao redor. Bateria
com insistência nas portas dos significados até elas se abrirem. Buscaria, sim, as origens da vida,
refletiria, sim, sobre o espírito inquieto de tudo que se move, sem deixar de lado as montanhas
animadas pela fé dos homens e as telas com sorriso, porque estas também estão vivas. O que sentiu
ontem ao ver a Mona Lisa poderia ser traduzido em palavras? Melhor, ela poderia falar com
qualquer pessoa assim como havia falado com ele? E essas pessoas poderiam falar entre si sobre
ela? E desses encontros falantes poderiam surgir grupos pequenos e depois outros maiores? Talvez
pudessem se organizar, dividir tarefas, e assim todos poderiam falar mais sobre outras coisas?
Certamente assim realizaria seu projeto!
Ontem, naquela fila, falaram que, logo que se juntassem, as pessoas cheias de amor e
bondade virariam montes de ódio e fúria; iria sair de dentro delas toda ofensa e dor pelo sorriso
do outro, e acabaria tudo destruído. Abre sua mão e olha o pedaço de tela, mistura de dor e
esperança: a reflexão sobre civilização e barbárie havia começado!
Percebeu ter se acostumado com as idas e vindas da cachoeira, o susto havia desaparecido
durante o silêncio e não retornara com o estrondo das águas caindo lá de cima.
Aqui, hoje, nesse lugar que o remeteu à memória do seu avô e à história da criação do
mundo por ele contada, Tom instituiu a sede do seu projeto, tendo como tese central: quando
parece mais nada restar, se você permanece, a semente da vida está em você.
E não precisa ter muitas respostas.
Num impulso se levanta. O sol já apareceu, sua mãe avisa que precisa sair para ajudar seu
irmão a cuidar dos alimentos.
O portador da esperança
O primeiro parágrafo desperta algo tenebroso: o aparentemente ingênuo “e não havia
incêndios” sugere que alguma catástrofe ocorreu. Mas por que deveria haver incêndios? –
pergunta-se o leitor. Incêndio é algo tão corriqueiro para as pessoas que, às cinco da manhã,
formam uma fila na praça? O conto segue, e é mencionado um festival. Festival? A troco de quê?
Por que um festival é referido ao mesmo tempo que vemos um menino, mãos vermelhas e
rachadas de frio, sozinho e misturado com gente adulta? Gente que carrega trouxas de roupa suja
e não possui nem mesmo centavos para comprar bebida quente servida em uma xícara lascada.
Festival? Pobres cuja única alegria será uma boa cuspida. Em quem? No quê? Festival numa hora
dessas? – nos indagamos.
No início da segunda parte do conto, mais uma nota preocupante: alguma batalha arruinou
tudo, inclusive registros do tempo. Estamos, segundo alguém, em 2251. Na medida em que a
leitura prossegue, nos situamos em um ambiente devastado e devastador: estamos, sim, em uma
sociedade distópica no século XXIII. Houve uma guerra, e o único prazer dessa gente que
chafurda na indigência é expressar seu ódio sob a forma de cuspidas sobre os restos da civilização
que os deixou na miséria. Os “festivais” são oportunidades para extravasar a revolta e, no dia
retratado pelo conto, é mencionado que o alvo é ela. Quem será? O que será? Só se sabe que ela
sorri. Quando é dito que se trata de uma pintura feita há mais de quatro séculos e que ela sorri,
logo nos lembramos da Mona Lisa. Será, então, que a manifestação cultural dessa civilização que
levou a tal desamparo é a Mona Lisa? Será ela, nesse macabro festival, o alvo da destruição?
Aos poucos, fica evidente que outros legados de beleza, poder e progresso deixados pela
civilização anterior precisam ser aniquilados também. Um povo faminto e pobre, morando em
casebres, sem qualquer outro prazer que não a vingança e o desprezo. Para a cultura que legou
tal miséria não há mais lugar. Precisa ser eliminada a vômitos, marretadas, explosões.
Entretanto, um dos homens acende uma pequena luz de encantamento: alguém, algum
dia, irá reparar os raros pedaços de beleza dessa cultura amaldiçoada. Alguém com imaginação,
alma e coração para as coisas bonitas e capaz de reconstruir uma sociedade na qual se poderia
viver em paz. “Talvez da próxima vez, seja diferente” (p. 187). Pela primeira vez, na leitura do
conto, surge algo mais otimista.
Com efeito, Tom, o menino até então perdido no meio dos adultos, chega perto da pintura
e a contempla. Logo fica sabendo ser Mona Lisa o nome da mulher que sorri. “Mas ela é linda!
Ela é linda”, exclama ele (p. 188). Essa percepção da beleza reacende em nós, leitores, a sensação
de que, sim, Tom será esse homem portador da esperança.
Enquanto a tela é despedaçada, cuspida e engolida, Tom consegue pegar um pedaço dela.
Foge, agarrando junto ao peito um fragmento de tecido. Chega em casa e é maltratado verbal e
fisicamente pela família por ter passado o dia fora. Depois disso, enquanto todos dormem,
aproveita e, sob a luz da lua, desenrola o fragmento da pintura. Vê o sorriso: “Olhou para ele na
luz branca do céu da meia-noite e pensou, várias e várias vezes, em silêncio o Sorriso, o adorável
Sorriso…” (p. 190).
O conto encerra: “Uma hora depois, ele ainda o enxergava, mesmo depois de tê-lo
dobrado cuidadosamente e o escondido. Fechou os olhos e o Sorriso estava lá na escuridão”
(p. 190).
É esse objeto internalizado – capaz de permanecer quente e suave dentro da mente – que
pode proporcionar o acervo de horas-esperança (Meltzer, 1986/1990), tão necessário nos
períodos de ausência do bom objeto na realidade externa. De guardião da confiança nos dias de
infelicidade. Na minha leitura, foi muito reconfortante o momento em que um personagem da
fila comenta que “alguém, algum dia, virá com imaginação e irá repará-la” (Bradbury,
1953/2020, p. 187). Nessa passagem, conforme comentei, cresceu em mim a expectativa de que
Tom seria, no futuro, esse homem portador da fé. As linhas finais reforçaram a sensação. No meu
entendimento, um dos devaneios que o conto nos proporciona situa-se nessa linha: o quanto, nas
catástrofes psicológicas, o tesouro representado pelo sorriso do objeto estético primitivo
proporciona a esperança. Em outras distopias – com as de Huxley (Admirável mundo novo,
1932), Orwell (1984, 1949) e do próprio Bradbury (Fahrenheit 451, 1953) – uma das conjunções
constantes é a figura do herói, encarnação do cavaleiro da esperança num mundo dominado por
antivínculos.
Em Atenção e interpretação, Bion (1970/2006) apresenta o conceito de fé como um
estado psíquico. Designa, assim, não aquela fé religiosa, mas a postura mental que mantém o
analista e o paciente ativos nas fases obscuras do processo e que é necessária para sustentar a
condição de frustrar-se sem desespero e alimentar a capacidade negativa durante a espera por
compreensão.
Talvez esse seja um dos fascínios de “O sorriso”: a persistência do semblante estético do
bom objeto nos tempos em que tudo parece destruído.
Haverá esperança?
O conto inicia descrevendo uma sociedade árida, devastada por uma catástrofe nuclear.
Os seres que restaram, em um mundo aparentemente sem esperança, atacam tudo o que possa
lembrar as coisas belas e criativas que foram perdidas, em um moto-contínuo de agressões, na
tentativa de evitar o sofrimento, mas, ao mesmo tempo, perpetuando essa catástrofe, perpetuando
essa dor. Festivais são organizados para que a população esquarteje obras de arte, rasgue e
queime livros, destrua avanços da ciência… O velho esquema de “pão e circo”, de ataque à
cultura, de tudo o que embote a capacidade do povo de se autodeterminar. Exemplos não faltam
nos momentos sombrios da história da humanidade.
Pode-se fazer um paralelo entre a sociedade distópica descrita no conto e certas
configurações do mundo interno. Em termos kleinianos (Klein, 1946), por exemplo, se pode
pensar em uma mente dominada por maus objetos, com predomínio do instinto de morte, da
posição esquizoparanoide, havendo escassa possibilidade de reparação do que quer que tenha
sido danificado. Em termos de Rosenfeld (1971), haveria a presença de uma máfia interna
comandado a personalidade; no dizer de Steiner (1982), uma organização perversa entre as partes
do self.
Lembrando Bion (1967), pode-se imaginar o que Bradbury retrata como a representação
do mundo interno em que predomina o funcionamento da parte psicótica da personalidade,
quando já houve uma catástrofe e há a tentativa de ataque a qualquer elo no sentido de evitar o
sofrimento, seja por inveja, seja por desamparo, perpetuando o desastre. A capacidade para
pensar, para administrar os sentimentos, fica devastada, não restando espaço para a criatividade,
para a esperança. O ódio impera, manifestando-se em atuações agressivas. Prospera a tentativa
de evitar a fragilidade com ataques aos vínculos, sentidos como muito perigosos, portadores de
sofrimentos insuportáveis.
Existe, porém, ao mesmo tempo, uma parte não psicótica da personalidade, funcionando
mais em nível depressivo, capaz de tolerar a frustração, manter os vínculos, integrar, desenvolver
o aparelho para pensar os pensamentos. No conto, esse funcionamento está lindamente
representado em Tom, personagem criança, capaz de se encantar com a beleza, de preservá-la
como um tesouro, abrindo a possibilidade da esperança, do devaneio, do desenvolvimento do
pensamento. “Olhou para ele na luz branca do céu da meia-noite e pensou [destaque meu], várias
e várias vezes…” (Bradbury, 1953/2020, p. 190).
Cabe aqui lembrar o que Meltzer e Williams (1988/1994) descreveram como o conflito
estético em seu livro A apreensão do belo: “Isto é conflito estético, que pode ser enunciado de
modo mais preciso em termos do impacto estético exterior da ‘linda mãe’, disponível aos
sentidos, e do enigmático interior que precisa ser construído por meio da imaginação criativa”
(p. 44).
Tom não precisou destruir a obra de arte; apreciou sua beleza (e toda a emoção
despertada), mesmo sem saber tudo sobre ela, sem controlar seu enigmático interior, suportando
o seu mistério. O que mais costuma chamar atenção na Mona Lisa é o seu sorriso enigmático.
Foi justamente esse o fragmento de tela que o menino salvou, se encantando e dando asas à
imaginação: “o Sorriso, o adorável Sorriso”, por mais enigmático que fosse, por mais emoções
que despertasse.
Ainda para Meltzer e Williams (1988/1994), as crianças costumam estar mais abertas à
apreensão do belo, capacidade esta que pode ir diminuindo ao longo da vida.
E mais um aspecto: ao chegar no silo onde estava sua família, Tom foi recebido com
chutes do irmão e o pai avisando que lhe daria uma surra no dia seguinte. A mãe, por sua vez,
demonstrou preocupação e lhe disse que dormisse, “num grito fraco” ante a brutalidade
circundante. Meltzer (1986/1990) nos fala em horas-esperança. Pode-se pensar que Tom as tinha
armazenadas.
Entre o belo e o abjeto
A beleza nada mais é do que o início do terror que ainda conseguimos suportar, e nós o admiramos
tanto porque ele calmamente desdenha nos destruir.
(Rilke, 1923/1961, p. 3, tradução livre)
Ver a humanidade exposta em feridas na leitura de “O sorriso” desperta intensos
sentimentos. Primeiro uma angústia opressiva pela destrutividade, seguida pelo horror frente ao
descaso e ataque à arte, à literatura, à ciência, à capacidade de sentir, refletir e criar.
No meio dos destroços desumanizados, lá estava o sorriso, frágil esperança guardada
como um precioso tesouro. Sorte ter um sorriso dentro de si para conter o desamparo e trazer
confiança. Sorte acreditar na sensibilidade, na criatividade e na reparação. Sorte ser uma criança
incansável na busca do humano. Perdidos do afeto, ficamos dominados pelo ódio e desesperança.
O amor, o ódio e o terror impactando o encontro do eu com o outro.
Por que atacar o sorriso que representa a continência materna, basilar na construção da
subjetividade e da própria vida?
Esse questionamento me remeteu aos conceitos de conflito estético de Meltzer e Williams
(1988/1994) e de abjeção de Kristeva (1980/s.d.), assim como à elaboração desses conceitos
realizada por Giuseppe Civitarese (2019), especialmente em “Conflito estético e abjeção na
(L)Isabbetta de Boccaccio”, do livro Perder a cabeça.
Interessante pensar os múltiplos vértices teóricos nos quais podemos sustentar nosso
sonho/elaboração na leitura do conto. Entre tantos autores que estudaram o tema, minha
transformação foi naturalmente conduzida para esses citados. Proponho demonstrar como os
utilizei para tecer minha transformação, começando pelo impacto estético de Tom diante da tela
de Mona Lisa.
Meltzer e Williams (1988/1994) chamaram de conflito estético o fascínio hipnótico da
criança pelo rosto da mãe, atração impregnada de êxtase pela beleza. Para ser atingido pelo
encantamento do objeto estético, é necessário suportar sua natureza efêmera e, se tiver fé,
acreditar na sua reaparição. Nesse ponto, os autores destacam o simultâneo pavor pelo lado
enigmático, desconhecido, vivenciado como ameaça e presságio de abandono. Segundo eles, a
precariedade do objeto nos comove pela percepção da sua ausência, da qual nasce o pensamento.
Quando o objeto falha, a vivência autêntica do sentido estético na experiência emocional pode
ficar prejudicada.
Civitarese (2019), no intuito de ampliar o dualismo mente corpo presente no conceito de
conflito estético, propõe integrá-lo ao conceito de abjeção de Kristeva (1980/s.d.). Ele diz:
Ela foi, provavelmente, ainda mais fundo na definição do sentido do lado obscuro e ameaçador
do conflito estético, pois enfoca sobretudo a sua dimensão corporal e pré-objetal. Para Kristeva,
o conflito estético “nuclear” é algo existente entre uma área não simbólica e outra simbólica,
expressando-se não apenas no plano mais evoluído daquilo que, na definição originária de
Meltzer, é representado por meio da oposição visível/não visível – em que se pressupõe que a
criança perceba a mãe como separada –, mas também no plano mais elementar do processo de
construção da subjetividade antecedente ao desenvolvimento do Eu e à aquisição de um self
integrado. (p. 57)
Civitarese (2016) sugere recuar o conflito estético em direção a um plano mais primitivo
“de sensações rítmicas, físicas, em um nível tal que não existe a percepção de ser um sujeito
separado” (p. 356). Segundo Kristeva (1980/s.d.), se o objeto falhar nessa etapa primitiva e essa
experiência for insuportável, inassimilável, o objeto pode tornar-se abjeto, ser degradado, causar
desgosto e repulsa. Kristeva questiona a solidez do objeto. De um lado o prazer e o gozo, do
outro a aversão e a repugnância.
Proponho pensar se o movimento de destruir a cultura descrito no conto poderia
representar a abjeção. Sentimentos ambíguos que coexistem no mundo interno, representados
pelos personagens do conto diante do sorriso de Mona Lisa. Dito de outro modo, o belo e a
abjeção transitam lado a lado nas emoções, ora como algo que fascina e acolhe num universo de
deleite, ora através de um sintoma que se apresenta no corpo como “estrangeiro inassimilável”,
abjetado no ato de cuspir na tela (Kristeva, 1980/s.d.).
Poderíamos pensar o ato do ataque ao sorriso de Mona Lisa como um indício da abjeção
que marca no corpo a intolerável e inassimilável separação?
Desse modo me encanta a metáfora “womb/tomb” (útero/túmulo) (Civitarese, 2019,
p. 61): o sujeito indiferenciado na relação primitiva com a mãe, ainda frágil e vulnerável, dela
precisa se desenredar e sobreviver para se constituir, existir. Aqui o horror se apresenta
principalmente como resistência a ser sugado, colapsado e anulado, e não somente em relação ao
insondável interior do objeto. Segundo Kristeva (1980/s.d.), quanto mais se abjeta mais se salva.
Pensei ser essa uma das leituras possíveis do conflito dramatizado nessa cena.
Nesse sentido, a sensibilidade ao abjeto indica uma fronteira indispensável para a saúde
psíquica. Num primeiro momento eu não existo, num segundo momento eu ab-jeto, para depois
ser – inicialmente de forma mimética e no futuro enquanto eu mesma – discriminada,
diferenciada, subjetivada.
Paradoxalmente, o sorriso, representando o corpo materno, precisa ser atacado. Ao
mesmo tempo, dele precisamos nos aproximar para introjetar, conhecer, compreender e com ele
nos identificar. Dessa forma, conservando-o vivo no âmago e tolerando sua ambiguidade e
transitoriedade, como fez Tom e o homem atrás do homem, o humano poderá surgir. Esse parece
ser um dos desafios no crescimento psíquico, sustentar uma boa relação entre nossos objetos
internos na turbulência entre a continuidade e a ruptura do ser, entre o belo e a abjeção
dramatizados de forma extrema nesse conto. Diante de uma realidade aterrorizante que liquefaz
o humano, como descreve Bradbury, predomina a desumanidade, a ruptura e a abjeção.
Penso a psicanálise como uma forma de arte que suaviza os paradoxos da natureza
humana. Nela a experiência emocional pode ser compartilhada, processada e (re)significada no
sentido estético.
Voltando ao conto, nos identificamos e transitamos entre os personagens, acolhidos pela
moldura da ficção literária, contidos na comunhão entre nossos objetos internos e os do autor, o
que confere uma rica vivência de reciprocidade estética na leitura de “O sorriso” e um estímulo
para elaborar as emoções.
Arte para não usurpar a vida
No dicionário on-line Brainly, encontramos como definição de “festival”: “um encontro
entre pessoas voltados [sic] para celebração e exaltação de algo” (“O que é festival?”, 2019,
1ª resposta). Essas ocasiões teriam como objetivo “a concretização de alguma ideia ou de reunião
de pessoas que têm pensamentos, visões de mundo e desejos em comum, promovendo uma
interação social”. Entretanto, ao ler o conto de Bradbury, o contexto do festival que encontro é
bastante atípico. Grupos de pessoas se movimentam em filas para atingir um mesmo propósito.
A paisagem descrita me impacta por reconhecer que se trata de homens pobres e arruinados, que
vivem em um território com essas mesmas características. Então se esclarece o que estavam
vindo celebrar. Nesses dias festivos é dado a todos os presentes, o suposto privilégio de um ato
de autonomia: participar ativamente da destruição da beleza, ou de tudo aquilo que teria
interessado e encantado o mundo ou que lhes dera um sentimento de serem, algum dia, pessoas
civilizadas. A realização dos festivais anuais passou a ser o mecanismo único de sobrevivência
em um tempo presente, em que o ódio ao passado, e ao futuro, poderia se manifestar.
Nesse ano específico, o festival oferece o prazer no ato de cuspir em uma obra de arte e,
como regozijo maior, poder destruí-la. Trata-se da conhecida obra de Leonardo da Vinci, a Mona
Lisa. Esse momento fica anunciado até com alguma euforia: “Chegou a nossa vez!” (p. 187). Aos
grupos de homens enfileirados vemos oferecida, na voz de policiais presentes, a opção de se
tornarem autores da destruição.
A destrutividade radical infligida aos homens me remete aos efeitos de um trauma
coletivo. Penso em Ferenczi, que desenvolveu amplamente o conceito de trauma, relacionandoo aos jogos de poder e à desmentida. Como não pensar nesses dois aspectos abordados por
Ferenczi (1931/1992) quando observamos a cena de homens enfileirados que recebem de
policiais palavras de ordem como “esse quadro será entregue às mãos do povo, para que possam
participar de sua destruição” (Bradbury, 1953/2020, p. 188). A desmentida da beleza, da
esperança ou da compaixão é reforçada e colorida de perversidade ao vermos agentes
comandando o ritual. Os enfileirados já não reconhecem mais suas sensibilidades, seus gostos ou
até a integridade de seus corpos, sujeitos ao frio e à fome, e comparecem anualmente aos
festivais. O direito a uma integridade psíquica está ainda mais amplamente recusado, na medida
em que se perpetua a participação no suicídio coletivo de qualquer vestígio do humano.
O que moveria esses homens, mesmo aniquilados, destroçados, a se humilharem,
submetidos a aguardar em fila a sua vez para o ato de extermínio de uma obra de arte? Ferenczi
deu ênfase, em seus estudos, ao reconhecimento da impossibilidade de surgir o desejo quando se
está diante de um assujeitamento. Observou que em situações traumáticas ocorre uma
desqualificação das percepções, podendo o sujeito interpretar o trauma real como criação do seu
psiquismo. Só a presença de um outro que reconhecesse as experiências e o sofrimento vividos
poderia dar nova qualificação à realidade.
Mas o contexto descrito nos remete à ausência de estranhamentos. Observam-se homens
aglomerados em uma massa homogênea e indiferenciada que conduz todos a um só destino – o
da compulsão e desumanização.
Apenas uma voz destoa na multidão: “Por que estamos aqui para cuspir?” (p. 185). Tratase de Tom, uma criança que, ingenuamente, propõe pensar a experiência. Quando surge,
instalado em suportes de metal, o alvo da próxima destruição, Tom revela sua dimensão
vulnerável, que lhe permite defender-se da desmentida. Com algum alívio percebo que naquele
menino ainda havia resistência, luta. Não estava apagada a memória do tempo da ilusão de uma
harmonia total com o objeto. Para não ser usurpada essa fagulha luminosa, ele se apodera do
retalho da tela no qual está o sorriso da Mona Lisa, justamente o que invoca a alma dessa pintura,
o mistério no qual radica sua beleza e o que a eterniza como um patrimônio universal. O impacto
de seu fascínio pela imagem me conduz a Meltzer e Williams (1988/1994), quando traduzem a
luta interna do ser humano “entre as sensibilidades estéticas e a força do filistinismo, do
puritanismo, cinismo e perversidade” (p. 14).
Estar aberto para a alteridade, não é isso que uma obra de arte está constantemente
propondo? Penso que o impacto estético do sorriso enigmático da Mona Lisa propiciou a
sustentação de um espaço intermediário, permitindo que o sonho fosse restaurado.
A surpresa com o desenrolar do conto me remeteu ao filme A vida dos outros
(Donnersmarck, 2006). Este conta a história de um agente alemão que é incumbido de vigiar, dia
e noite, os passos de um dramaturgo suspeito de conspiração durante a Guerra Fria em 1984. Em
contraste com a realidade dura, impessoal, solitária e sistemática do agente do governo, está a
vida afetiva, musical e criativa do artista vigiado. Desse contraste entre mundos tão díspares
surge a chance de demolir muros, os muros internos construídos por preconceitos, rótulos e
intolerâncias. A coragem desse agente para se permitir viver a experiência emocional, tomar
contato com o estranho dentro de si, deixando-se contaminar pelo amor, pode ser comparada à
do menino Tom no conto.
Em ambas as ilustrações, conto e filme, vemos sugeridas as consequências de traumas
coletivos. Na descrição de Puget e Kaës (1989, citados por Weil, 2021), a questão dos
traumatismos coletivos situa-se no ponto de junção do desastre do Estado de direito com aquele
do sujeito confrontado com a incorporação à força, em sua psique e em seu ser, de uma efração
traumática, cuja gênese é de uma ordem diferente daquela da determinação intrapsíquica – é de
ordem política, ideológica. Como acessarmos os efeitos no psiquismo individual da
destrutividade de um coletivo, cujos traços estarão depositados no território do inconsciente?
Retomo Ferenczi (1931/1992), com sua convicção da necessidade de se romper o silêncio para
que o sofrimento possa ser compartilhado e se estabeleça uma validação perceptiva e afetiva da
violência.
Nos exemplos mencionados, observamos que o contato com a vulnerabilidade do ser
humano pode potencializar os aspectos de movimento e vida, em vez de conduzir à perpetuação
da barbárie.
A psicanálise pode se aliar à vertente da esperança na medida em que, tal qual a arte,
propõe uma abertura para a instauração criadora, interrogando o estático e sustentando o
perturbador, que permanece buscando alguma representação simbólica.
Considerações finais
Findo este trabalho, no qual os pensamentos se transformaram ora em poemas, ora em
conto, ora em encontros com os conhecimentos teóricos apreendidos, refletimos sobre uma
conjunção constante que se destacou entre as diferentes transformações: o movimento. A
psicanálise iniciou buscando compreender o que impedia a continuidade, o que interrompia a
possibilidade das ligações entre o eu e a realidade ou, principalmente, entre a realidade e o sonho.
A abertura para a beleza – concordamos todos – nos mantém em movimento, vivos para a
experiência que traz implícita em sua captura tanto a alegria como a dor.
O impacto estético dos autores na leitura do conto resultou em um sonho compartilhado
no qual se abriu um fértil campo intersubjetivo de reciprocidade. Neste foi semeado
intuitivamente um portador da esperança, munido de um projeto para futuras descobertas, de fé
bioniana e horas-esperança. Entre pesadelos e sonhos, capaz de suportar o medo e transitar entre
o belo e o abjeto, questiona se haveria esperança. Sempre sustentado pelo tom da beleza na arte
e na psicanálise, pronto para recomeçar e não usurpar a vida.

Medo
Que lindo!
Que medo!
Não te assustes.
Podes olhar, sentir.
Amar e partir
Fazer tua poesia
E sempre voltar
El tono de la belleza

Resumen: A partir de un cuento de Ray Bradbury cuyo título es “La Sonrisa” (1953/2020), seis autores
presentan variaciones y lo hacen partiendo del impacto estético que les ha producido la lectura de dicha
obra. Involucrados con el texto se dedican a especular y fantasear, disponiéndose a sentir resonancias
psicoanalíticas y poéticas. Las distintas percepciones construyen significados nuevos, contando con las
referencias teóricas de autores tales como Bion, Meltzer, Klein y Kristeva, entre otros.
Palabras clave: psicoanálisis, arte, transformaciones, conflicto estético, abyección
The beauty’s tone
Abstract: Starting from a short story by Ray Bradbury named “The smile” (1953/2020), six authors
present their transformations as from the aesthetic impact that this story’s reading has provided them.
Involved by the text, they propose to speculate and fantasize, opening themselves up to theoretical
resonances, both psychoanalytic and poetic. The different perceptions build new meanings, counting on
the referential of authors such as Bion, Meltzer, Klein and Kristeva, among others.

Keywords: psychoanalysis, art, transformations, aesthetic conflict, abjection

Referências
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1 Médica psiquiatra e psicanalista. Membro associado da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre (SPPA).
2 Médico psiquiatra e psicanalista. Membro efetivo e analista didata da SPPA.
3 Psicóloga e psicanalista. Mestre em psicologia social. Membro associado da SPPA.
4 Médica psiquiatra e psicanalista. Doutora em comunicação social. Membro associado da SPPA.
5 Médica psiquiatra e psicanalista. Membro associado da SPPA.
6 Médica psiquiatra e psicanalista. Membro associado da SPPA.


O tom da beleza

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