Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre (SPPA)

ANO 22 • • Nº 42

ÓRGÃO OFICIAL DA SOCIEDADE PSICANALÍTICA DE PORTO ALEGRE

Porto Alegre | RS

Anne Alvarez

Psicanalista canadense, Psicoterapeuta Infantil e de Adolescente

  • “Uma criança perturbada não é simplesmente uma coleção de sintomas, ela possui uma mente que precisa florescer e crescer”, afirma a psicanalista

Em junho deste ano, o XXIV Simpósio da Infância e Adolescência da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre (SPPA), intitulado “O encontro com um ‘coração pensante’ na constituição do psiquismo”, teve como principal convidada a psicanalista canadense Anne Alvarez. Autora de vários artigos e livros, entre os quais Companhia Viva e Coração Pensante, ela falou sobre traumas precoces, cuidados na prematuridade e autismo, entre outros temas. Na oportunidade, o jornal da SPPA conversou com Anne Alvarez sobre seus estudos na área.

Jornal da SPPA: Como surgiu seu interesse por pesquisas com crianças severamente doentes?

Anne Alvarez: Ouvi falar pela primeira vez sobre crianças com autismo quando estava na graduação na Universidade de Toronto, na década de 50, e um doutorando nos contou sobre seu estudo com ratos em laboratório. Ele descobriu que os ratos que haviam recebido “gentileza”, ou seja, foram acariciados, viviam mais do que aqueles que não tinham recebido nada. Ele pensava que talvez crianças com autismo pudessem ser ajudadas a emergir de seu autismo de maneira semelhante, por meio de carícias ternas. Acabou não sendo tão simples, mas, mesmo assim, havia algo de inspirador em sua determinação de encontrar um caminho até elas.

Nos verões, eu trabalhava como estagiária em vários hospitais psiquiátricos de Ontario e, enquanto fazia testes e pesquisas, conversei com inúmeras pessoas com esquizofrenia. Houve momentos em que suas afirmações bizarras pareciam conter intensamente algum outro significado misterioso, e também achei isso fascinante. Na pós-graduação nos Estados Unidos, planejei, com a ajuda de Harvey Brooker, um estudo para ver se elogios positivos ajudariam pacientes esquizofrênicos crônicos a lidar melhor com tarefas de aprendizado do que aqueles a quem apenas os erros eram informados. O efeito da recompensa versus punição.

Jornal da SPPA: Como se deu a mudança na técnica em função desta demanda?

Anne Alvarez: Ao fazer uma pesquisa bibliográfica sobre quais estudos haviam sido feitos neste campo, li a publicação de uma renomada psicanalista e psiquiatra americana, Frieda Fromm Reichman. Ela escreveu o famoso livro 'Eu nunca lhe prometi um jardim de rosas' sobre o tratamento psicoterápico com uma jovem muito psicótica. Na revista que li, Fromm Reichman descreveu a sua dificuldade em fazer contato com uma mulher diferente e inacessível. Após várias tentativas de estabelecer uma conversa, perguntou à mulher como ela estava se sentindo, e esta levantou um pouco o dedo mínimo. Fromm Reichman disse: "Tão sozinha?", e a mulher fez que sim. Achei absolutamente fascinante a ideia de que poderíamos acessar a mente de outras pessoas por uma rota diferente da linguagem.

O mistério da aparente inacessibilidade da mente esquizofrênica ou autista mostrava ser um desafio fascinante, e eu me formei como terapeuta no Reino Unido. Mais tarde, em meu trabalho clínico, também comecei a ver crianças traumatizadas cuja dissociação muitas vezes lembrava a condição autista e necessitava modificações semelhantes na técnica. Entendi que, embora muitas dessas crianças estivessem se escondendo de um mundo aterrorizador, outras estavam perdidas. Estas últimas precisavam ser encontradas por nós, como descobri uma vez com meu paciente Robbie, que parecia estar em perigo de morte psíquica até que, certo dia, chamei o seu nome de forma súbita e ele pareceu acordar, não com medo, mas com o prazer perplexo de que havia alguém lá fora que queria contato com ele. Precisei aprender que, com esse tipo de paciente, era melhor não ser muito passiva como terapeuta, mas aumentar a aproximação para encontrar a criança. Chamei isso de uma espécie de recuperação ou vitalização para ajudar a criança a voltar à vida.

Jornal da SPPA: Para onde a senhora imagina estar indo a psicanálise da Infância e Adolescência?

Anne Alvarez: A grande torrente de pesquisas sobre bebês que acompanhou o aumento da disponibilidade de tratamentos psicanalíticos infantis apoiou a ideia de que uma criança perturbada não é simplesmente uma coleção de sintomas, e sim que ela tem uma personalidade e um self, assim como, em algum lugar, possui uma mente que precisa florescer e crescer. Mais analistas de adultos estão começando a ser treinados para trabalhar com crianças e algumas disciplinas estão incluindo mais atenção à criança como um todo em suas intervenções, então há esperança para o futuro.

Tradução de Angela Silveira