Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre (SPPA)

ANO 23 • • Nº 43

ÓRGÃO OFICIAL DA SOCIEDADE PSICANALÍTICA DE PORTO ALEGRE

Porto Alegre | RS

Autora

Kátia Radke

Presidente da SPPA

Como a Psicanálise pode ajudar?

Em meio ao nosso grande crescimento institucional, aos 61 anos de existência, temos desfrutado de uma fertilidade que vem sendo semeada há várias gerações. Um dos pontos de culminância é a criação, na atual gestão, da Diretoria de Ações Junto à Comunidade. Mesmo que estejamos atravessando um momento dramático da história do nosso Estado, a SPPA, diante dessa catástrofe sem precedentes, precisou se reinventar e agir rapidamente.

Fomos convocados a adentrar em um mundo encharcado de dor e de perdas imensuráveis trazidas pelas chuvas incessantes. Em parceria com o SOS Febrapsi (Federação Brasileira de Psicanálise), nos mobilizamos para atender crianças, adolescentes e pais. Também fizemos um projeto de atendimento emergencial on-line e gratuito para acolhermos, com a nossa escuta, as vítimas, voluntários e socorristas envolvidos com a enchente. Além do atendimento on-line, realizamos uma parceria com alguns abrigos da cidade para auxiliar no atendimento a abrigados e voluntários.

Esse momento traz consigo um início emblemático para a história da Diretoria de Ações na Comunidade, que demandou de todo o grupo da pasta muito cuidado para auxiliarmos em meio aos tempos difíceis que o Estado do Rio Grande do Sul está passando.

A SPPA buscou ouvir especialistas em catástrofes, como Mariana Duarte, psicóloga e psicanalista, representante do Médicos sem Fronteiras, que, além de participar do nosso podcast “Complexamente”, em debate com a plateia após a sua conferência, destacou o cuidado que precisaremos ter com a segunda fase na qual estamos adentrando, agora que muitos já estão voltando às suas rotinas. Pontuou que, mesmo que nem todos os atingidos estejam necessariamente traumatizados, é importante que sigamos atentos e com nossa escuta disponível, pois o risco de possíveis retraumatizações é constante.

Em meio a essa tragédia, essa crueldade que assola o Rio Grande do Sul, onde a sobrevivência humana passa a ser um fator central, perguntamo-nos “Como a psicanálise pode ajudar?”. A resposta talvez pareça simples, em um primeiro momento, mas é extremamente complexa e necessária. A psicanálise ajuda-nos a pensar, a poder dar conta do caos. Ora, sem a capacidade de pensar funcionante, a alternativa poderia ser a ação, a descarga diante do desespero. A escuta psicanalítica é fundamental em um momento de tantas perdas e de tamanha impotência diante do que se foi e do que está por vir.

Assim, a SPPA, como uma presença consistente, ao desenvolver um trabalho percorrido por várias gerações de psicanalistas, sente-se capacitada a participar ativamente no auxílio e na prevenção aos possíveis danos psíquicos consequentes dessa situação dramática. Nosso papel como agentes de saúde mental é fundamental, sobretudo em momentos de crise, de caos, como o que estamos vivendo! Precisamos estar junto às vítimas das inundações, mas também precisamos estar em solo firme para ajudar aqueles que “perderam o seu solo”. Nosso olhar e nossa escuta são de extrema importância no acolhimento às pessoas que foram e estão sendo violentamente atingidas.

Nosso propósito é que a SPPA continue com a sua importância científica, formando novas gerações de psicanalistas, para que possamos estar presentes na vida da comunidade de forma cada vez mais ampla, seja trocando experiências, auxiliando ou escutando. Sentimos que a fertilidade e pujança da escuta analítica tem sido fundamental para momentos dramáticos semelhantes ao que estamos passando.

Desejo que a leitura desta edição histórica, também impactada por tamanha tragédia, seja de esperança; que, ao olhar para a crueldade do que temos vivido, consigamos auxiliar no potencial processo de reparação. Como psicanalistas, somos convocados a fazer parte desse processo! Boa leitura a todos!