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Maurício Marx e Silva
Psiquiatra e psicanalista didata da SPPA
Relações entre e com os Zoomers: algumas descertezas
Mulheres da geração Z estão mais autônomas e não aceitam relações de submissão
Para falar dos jovens, creio que precisamos começar pelos velhos, os quais não são definidos por idade, mas pela antiga defesa narcísica contra o reconhecimento do envelhecimento e da proximidade da morte: a depreciação dos jovens e o auto-engrandecimento via comparação com um passado idealizado com o qual se identificam. Existem equivalentes filicidas denunciados por Arnaldo Rascovsky: nas guerras, os velhos mandam os jovens para morrer; nos inúmeros mitos, o filicídio é justificado porque os filhos anunciam a morte dos pais. Laio e Édipo, Herodes e Jesus, Cronos, Acrísio e Perseu, tais mitos precisam ser lembrados nesta entrada no Gerontoceno.
Umberto Eco já alertava quanto à sedução narcísica dos apocalípticos: “O apocalíptico consola o leitor porque lhe permite entrever, sob o derrocar da catástrofe, a existência de uma comunidade de ‘super-homens’, capazes de se elevarem, nem que seja apenas através da recusa... a comunidade reduzidíssima – e eleita... ‘nós dois, você e eu, os únicos que compreendem, e estão salvos: os únicos que não são massa’. Não por acaso, um dos filósofos mais populares do momento é Byung Chul Han, que foi da Coreia para a Alemanha a fim de estudar teologia católica e, como foi assinalado pelo crítico Steffen Kraft na revista Der Freitag, recicla ideias reacionárias antitecnologia do filósofo nazista Carl Schmitt.
Contudo, podemos envelhecer bem como Michel Serres. Com 82 anos, em conferência sobre a geração nativa digital para a Academia Francesa, depois publicada no ensaio Polegarzinha, Serres percebia novos paradigmas: a passagem do enquadre mental tipo página para o hipertexto, com comunicação instantânea inserida no fluxo do pensamento e declínio do argumento de autoridade decorrente da disponibilidade instantânea de informação de qualidade... O autor compara as previsões catastróficas feitas para os Pequenos Polegares com as realizadas sobre os jovens por ocasião da popularização do livro impresso, e lembra a defesa feita por Montaigne: “prefiro uma mente bem formada a uma mente cheia”. Diz que as mesmas velhas difamações do novo e a depreciação dos jovens são os fatores responsáveis por levar à alienação entre as gerações. Outro dia, um zoomer me disse: “a nossa geração desconfia automaticamente das informações”.
Em um estudo internacional publicado em 2024 pela The Economist, os zoomers estão melhores em quase tudo em relação aos baby-boomers e aos millenials. No livro Unlocked, de 2024, o pesquisador Pete Etchells, da Universidade de Bath, UK, salienta que os critérios de muitos estudos são anacrônicos, utilizando parâmetros talvez válidos para as gerações anteriores e que são incapazes de capturar as habilidades novas dos nativos digitais, limitando-se a demonstrar como estes se saem pior nas habilidades próprias dos mais antigos. Mesmo assim, os resultados não são tão inequívocos quanto as manchetes alarmistas querem fazer crer. A premiada pesquisadora Amy Orben, da Universidade de Cambridge, denunciou aquilo que chamou de “ciclo sisífico do pânico tecnológico”. Uma reportagem do Washington Post de dezembro de 2022 assinala que os zoomers fazem uso de vocabulário, pontuação e emojis com nuances para transmitir entonação e intenção, algo que mesmo os millenials muitas vezes não compreendem.
A constatação que parece mais clara, tanto nos países em desenvolvimento quanto nos desenvolvidos, é uma mudança das mulheres da geração Z: estão mais autônomas econômica e comportamentalmente, não aceitando relações de submissão. São capazes de se sustentar em termos financeiros, além de estarem mais à vontade com o sexo casual, com as experiências bissexuais e com a masturbação. Por outro lado, os homens e as políticas governamentais mostram dificuldade de se atualizar ou mesmo apresentam atitudes ressentidas (InCels, RedPills). Governos tentam dar incentivos econômicos para a formação de famílias nos moldes antigos, as quais não funcionam, independentemente dos valores ofertados. A opção de não morar com um parceiro e não ter filhos está cada vez mais comum, não por não existir desejo, mas por um aumento da consciência das mazelas do mundo onde criariam um filho, além da dificuldade de encontrarem parceiros dispostos a relações igualitárias. Empresas já estão pagando o congelamento de óvulos das suas executivas. Ao contrário das suposições preconceituosas, as mulheres não fazem essa opção por egoísmo. Na verdade, alguns estudos sugerem que elas decidem assim por serem mais altruístas e conscientes. Além disso, ter filhos nunca foi garantia de menos defesas narcísicas, como Trump e seus imitadores deixam bem evidente.