Autor

Juan Eduardo Tesone
Psiquiatra e psicanalista, membro titular da Associação Psicanalítica Argentina e da Sociedade Psicanalítica de Paris.
Revisitando a sexuação
A sexualidade atual, em sua diversidade, questiona o modelo normativo do casal heterossexual
Perdendo sua meta instintual, a sexualidade humana — isto é, a pulsão — acabou por se distanciar do próprio objetivo social, na perspectiva da reprodução, em benefício do desejo.
A chamada liberação sexual produziu menos neuroses, como pensava Freud? O imperativo superegoico não desapareceu, apenas mudou de registro: do vitoriano não gozarás, da época de Freud, passou a ser deverás gozar, seja feliz, exigência talvez ainda mais cruel que a primeira, pois é apresentada como se fosse alcançável.
As modificações na vida sexual geram mais formas de reclamação, novas formas de conflito na vida psíquica.
Independentemente das maneiras que a sexualidade das subjetividades atuais possa adquirir, elas não garantem maior a-conflitualidade psíquica.
O corpo sexuado – a sexualidade – não deixou de ser traumático para o ser humano. Para além das modalidades que tenham suas expressões, a sexualidade humana é, desde o início, uma psicossexualidade, e, portanto, está sujeita a conflitos entre as instâncias do id, do Ego e do Superego.
O que é feminino, o que é masculino? Não responde à ideia de um essencialismo a-epocal?
Lacan teve o mérito de falar sobre sexuação e sobre posições masculinas ou femininas, independentemente do sexo anatômico, mas, em sua famosa fórmula da sexuação, ele dá por entendido que já sabemos o que corresponde a uma ou outra posição. Embora admita que ter e ser é diferente para cada sexo, para Lacan, o falo é o símbolo do desejo para ambos os sexos.
É bem sabido que a sexualidade atual, em sua diversidade, questiona o modelo normativo do casal heterossexual. Ao mesmo tempo, coloca em xeque a essencialidade do masculino e do feminino, o que levanta novas questões para a sociedade em geral e para a psicanálise em particular. Freud saiu pela tangente ao descrever a bissexualidade psíquica, constitutiva de cada sujeito. No entanto, existem as neo-sexualidades, como as chama Joyce McDougall, em que o masculino e o feminino não aparecem claramente diferenciados, com o surgimento do binarismo simples, da sexualidade trans e do conglomerado da sexualidade queer que questiona a noção de gênero e de identidade sexual estável. Estes novos elementos não podem mais ser considerados marginais e, se assim o considerarem, é por causa da sua própria marginalidade que, se questionada, faz avançar a teoria. Vemos uma nova clínica que levanta questões inéditas.
A comunidade psicanalítica não está imune a teorizar de acordo com os preconceitos da sociedade. Assim como as leis estão atrasadas em relação aos costumes, é possível que a teoria psicanalítica, exceto exceções, apresente um atraso na sua teorização. Freud modificou sua teoria cada vez que se deparou com entraves na clínica. Penso que é urgente revisitar a teoria a partir das novas subjetividades contemporâneas e do surgimento de uma nova clínica, as quais questionam as noções de gênero e de identidade imanente, em que a sexualidade é considerada não apenas o resultado de uma alquimia singular, algo que Freud já sublinhara, mas também a de uma subjetividade cujas identificações são múltiplas e oscilantes.